Essa foi uma semana em que falei bastante sobre tempo com amigos, colegas e alunos. Uma das perguntas que mais fazem a respeito da escrita é quanto tempo eu demorei para escrever meus livros. Como eu já disse várias vezes aqui, eu tomo notas e depois passo tudo para o computador, e em seguida, depois de dar um tempo de gaveta, reviso várias vezes o texto – e na maioria das vezes fico refazendo, refazendo, refazendo mais do que o necessário. Temos dois cursos contínuos no Estratégias: o ateliê de desenho, o ateliê de escrita - a ideia é que o participante entre quando quiser e permaneça frequentando as aulas enquanto for satisfatório.
Por motivos diferentes, eu tive muita pressa para fazer as minhas primeiras publicações. Meu primeiro livro foi uma história que veio com muita rapidez e força: tomei notas por três, quatro meses e digitei mais de cento e vinte páginas em menos de duas semanas, daí fiquei revisando até a minha editora arrancar o texto da minha mão. No total, demorou um ano. Quanto ao Ainda, meu segundo livro, acho que ele é um tipo de romance que não quero mais fazer – um romance filosófico, um romance cerebral e não corporal. Não é um livro do qual eu gosto tanto assim, e de alguma forma fiquei tão obcecada com a reescrita dele, que jamais conseguia terminar. Acabei tendo que abandonar a obra, de certa forma, lançar mão de mudanças que eu desejava fazer porque eu simplesmente não seria capaz de deixar o livro com a minha cara: publiquei para me livrar e fiquei feliz com isso. Mas o que me deixa mais feliz é que muita gente acabou gostando desse romance – uma amiga inclusive batizou o gato dela de Isidoro, um dos personagens da narrativa – prova de que o que parece ser ruim para o autor, pode às vezes ser legal para o leitor.
Eu tenho um “plano de carreira” como autora: meu desejo é publicar algo em papel a cada dois anos. Publiquei em 2012, publiquei em 2014 e agora devo publicar um livro em 2016 – estou com dois livros semi-prontos, um romance e um livro de poemas. Provavelmente o que sai em 2016 é o livro de poemas. Mas eu meio que abri mão dessa ideia de publicar de dois em dois anos algo em papel – por ora. Publicar é um processo difícil, desgastante e doloroso para mim, quero escrever um texto só sobre isso em outro momento... Acho que é um rito de passagem no tempo que deve ser bem articulado.
Acho que esse texto é uma retratação para algo que escrevi antes – uma aluna querida veio falar comigo dizendo que tinha se identificado com essa questão de “pesquisar demais para escrever e nunca chegar a escrever”, e achei meio cruel a minha colocação – e ao mesmo tempo, acho que essa aluna tem uma relação com a escrita que é muito parecia com a minha: ela precisa da escrita. Então como sair do ciclo vicioso de não conseguir terminar um livro? Acho que muitas vezes a única coisa que resta é aceitar o tempo que a gente vai levar, mas trabalhar constantemente, mesmo sentindo alguma dor em escrever.
Idealmente, a gente precisa demorar o tempo que precisa para escrever, mas não diga a isso a um aluno do mestrado que tem que entregar uma dissertação em dois anos. Eu estou um pouco obcecada por uma escritora estadunidense chamada Donna Tartt – ela tem uma questão muito especial: demora dez anos para escrever um livro, de forma que temos apenas três livros dela publicados até o momento. Para a alegria de nós leitores, são livros grossos, volumosos, que a gente demora bastante para ler, mesmo comendo páginas desesperadamente. Em uma das raras entrevistas que deu, ela diz: “Eu tentei escrever um livro em um ano, mas eu simplesmente não gostei disso, não foi divertido para mim. Sem diversão para o autor, sem diversão para o leitor”. Em um dado momento, o entrevistador quantos livros ela pretende escrever, e ela diz que ficaria feliz com cinco. Acho que a chave está aí: descobrir o próprio tempo depois de publicar alguma obra, e então tentar obedecer a esse tempo.
Estamos em um tempo muito errado com relação aos prazos – eu tenho muita facilidade com prazos, na verdade, sou muito boa em cumpri-los. No fundo, os prazos têm uma função boa de disciplinar a gente com relação ao tempo. Se o prazo curto deixa de ser algo que funciona, não tem motivo para que ele exista. Um escritor é cheio de fases: a frase em que ele escreve e a fase em que ele não escreve – fase ruim que tem mais nomes que o diabo: branco, hiato criativo, bloqueio. A ideia é que no mesmo momento em que a gente se propõe a criar uma escrita, a gente precisa achar um tempo confortável para cada obra, mas simultaneamente ter em vista um fim para aquilo não se demorar ao infinito. Eu mesma estou escrevendo um romance sem pressa para ver o que vai dar e está sendo uma delícia, mas em algum momento eu devo bater o martelo comigo mesma e me dar um prazo.
No fundo, acho que tem a ver com um conselho do Roberto Bolaño a respeito da escrita dos contos: ele aconselha a não escrever um conto de cada vez, mas manter vários contos – em número ímpar, especificamente – simultaneamente engatilhados. Pensar que a escrita é múltipla: você não vai escrever apenas esse livro, ele não precisa ser perfeito, ele pode ter falhas e você pode mudar suas questões no próximo livro. A gente pode fazer essa obra e em seguida pular para a próxima obra, vão ser experiências diferentes e certamente instrutivas. E podem ser experiências ótimas também. No fim, você pode até dar uma de Nassar, parar de escrever e ir criar galinha. Não importa. Vai do tempo de cada um.