A necessidade e o medo: O livro fúcsia - da linguagem tripartida de Diogo da Costa Rufatto.

10 de novembro de 2017 - Laura Cohen

O processo de escrita deste livro fez seu caminho entre a necessidade da escrita e o medo dela. O Diogo sempre me falava de um tal livro fúcsia que tinha terminado de escrever, mas que não estava pronto para me mostrar. Referia-se a ele assim, “o livro fúcsia”, sem dizer se eram poemas, contos, ou um romance, fazendo apenas referência à cor, quase como se ela mesma fosse um gênero de escrita. Quando ele finalmente me enviou o livro, percebi o motivo da hesitação: Diogo estava com medo. Eu já tinha lido várias coisas dele, e compreendi que não era medo do meu julgamento o que ele sentia, pois sabe incorporar com habilidade e firmeza as críticas que recebe. O medo era outro — era medo daquilo que tinha escrito.

Senti o mesmo medo que Diogo já na página inicial do primeiro dos três contos do livro, "Eu. O vento. A coisa". Era um medo diferente, parecido à sensação de vertigem de estar diante de coisas muito extensas — a ideia do universo infinito, a ideia absoluta do zero. Dura, a voz da personagem que desfia uma autobiografia no limite da vida era tão real e tão crua que eu não soube muito bem como avançar, a não ser por solavancos: uma leitura que exige que se levante os olhos do papel para respirar um pouco. O segundo texto, "Língua paterna", me pareceu menos duro, mais fácil de digerir, mas ainda assim repleto da maravilha e da epifania que também constituía o primeiro e mantendo com ele uma consonância. Nestes textos, uma mulher e um homem respectivamente tocam em lugares proibidos aos seus sexos e quebram convenções humanas e, assim, enquanto a mulher se devora pela dureza, o homem entra em contato com a própria fragilidade. O último conto, "HLH", — o mais ousado dos três, na minha opinião — é uma radicalização do que acontece nos dois anteriores: a linguagem agora atravessa e se mistura ao corpo.

O livro não consiste em uma simples antologia de contos, mas em três textos profundamente ligados pelo fio da linguagem. Os personagens compreendem, através dela, algo que está acima e ao mesmo tempo dentro deles, algo que não seria alcançado se não fosse através de uma linguagem que nem sempre é verbal. Temos as palavras, e os contos se constroem através delas, mas se somam os gestos,

a pintura, a matemática do zero. A linguagem que barra o contato com o mundo é a mesma que faz com que estes personagens entrem no contato máximo com as coisas do mundo, como se através da perseguição ao dizer e ao mostrar, ele se esforçasse para, quase sem conseguir, alcançar aquilo que ninguém consegue dizer muito bem.

No entanto, estava tudo lá, tudo pronto, bastava mudar umas frases de lugar, cortar palavras, adicionar alguma coisinha e acabou. Na verdade, os três textos do livro estavam assim, prontos, precisando apenas de pequenos ajustes. Em uma das nossas conversas, Diogo me disse que tinha demorado sete anos para escrever este livro. Começou em 2010, com o primeiro conto, e escreveu os outros dois nos anos seguintes. Foram sete anos entre o ir e o voltar, abandonar, recomeçar. Diogo me contou, também, que depois de escrever a primeira narrativa, quando tinha pouco mais de vinte anos de idade, ele decidiu que não ia mais escrever — aquilo foi uma experiência que o consumiu tanto, algo tão terrível, que a própria experiência da escrita tornava-se, agora, impossível.

O jejum durou alguns meses e lá estava ele de novo, fazendo seus contos, escrevendo seus poemas. As narrativas deste livro carregam uma profunda ligação com a necessidade da linguagem: é sempre forte ter o sentido de obrigação com a palavra, que funciona quase como o contato com o divino, aquilo que não se sabe de onde vem, mas vem, é presente, Diogo recebe como uma missão que lhe foi atribuída, e não como uma escolha.

O trabalho de Diogo se localiza sempre entre a prosa e o verso, e joga com sucesso com o seu trabalho constante com as palavras, como um leitor que sabe escrever o novo sem deixar para trás influências e leituras. Capaz de produzir poemas narrativos e prosa poética, toda a multiplicidade das aptidões de ação de Diogo da Costa Rufatto se encontra aqui, nestes três textos. Que seja longa e abundante a coragem da escrita.--

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Texto do prefácio d'O livro fúcsia – da linguagem tripartida, de Diogo da Costa Rufatto, que será lançado amanhã, dia 11/11, na Casa Fiat (Praça da Liberdade, 10, Belo Horizonte/MG), à partir das 15h.




Laura Cohen é escritora. Formada em letras e mestre Estudos Literários pela UFMG, publicou os romances História da Água (Impressões de Minas, 2012) e Ainda(Leme, 2014) e Canção sem palavras (Scriptum, 2017), Caruncho (no prelo, impressões de minas, 2022) e as plaquetes de poesia Ferro (Leme, 2016) e Escrever é uma maneira de se pensar para fora (Leme, 2018). Seu romance Caruncho está com lançamento previsto para o segundo semestre de 2021. Foi vencedora do segundo prêmio de literatura Universidade Fumec, em 2011, e em sua edição de 2009, obteve o terceiro lugar, publicando nas duas edições da coletânea Da Palavra à Literatura – Narrativas Contemporâneas. Faz parte da coordenação do selo Leme da editora Impressões de Minas, editando e preparando livros de diversas autoras e autores. Em 2019, participou do ciclo Arte da Palavra do Sesc, dando oficinas em diversas cidades brasileiras. (foto: Bianca de Sá)