Cinco poemas de Maraíza Labanca

02 de março de 2020


Maraíza Labanca nasceu e vive em Belo Horizonte. É escritora e ministra oficinas e ateliês de escrita literária no Espaço'a'mais. Escolhemos alguns poemas de Exceto na região da noite (Urutau, 2019) por um motivo especial: na semana próxima, Maraíza Labanca inicia uma oficina de quatro encontros aqui nas EN. A oficina foi pensada especialmente a partir de procedimentos usados na escrita dos poemas do livro, passando por procedimentos com verbetes, manuais e listas. Aproveitem!



*



Fogueira


Uma
fogueira pode ser inofensiva



pode ser
um título pode ser a queima



pode ser
um modo de se livrar pode



ser
olhada de longe pode ser



a soma
dos galhos folhas escombros



pode ser
a chama a brasa a casa de um louco



e uma fogueira
pode ser



o fogo.



*



Para
tratar o abismo


Com as
linhas dos dedos,



contorne o
contorno do seu contorno,



confronte
a boca do seu poço



sem
avançar; não fale com ele,



não o
acordem, mas con-



fronte-o;
não



lute
tanto, desista



de tratá-lo,
não jogue cal,



não atire
o sim, não atire o não,



não creia
em sua barragem;



saiba que
o ermo é a sua fonte,



que a
marca dos seus pés será



sua única
palavra



à procura de um onde.



*



Coisas
que agravam a dor


telefonema



o caroço
das coisas



o
pensamento voltado para lá



os vidros
intactos



a gordura
envoltória



os passos
de quem vai



os cacos
de um corpo



os pratos



o
tilintar dos pratos



o ruído
do ventilador



o fim do
cigarro



o centro
do livro



as praias



o olho
dos cães



o olho
das mães



o espaço



o oceano
intacto



a falta
de grampos



a beleza



os
chamados



nenhum
chamado



acordar



o estômago, ainda



*



Noite
branca


Olho as
janelas que ainda estão acesas



como
fazia em outro país: a insônia



aproxima
anônimos em sua distância,



como se
de longe partilhássemos



o mesmo cigarro, a mesma ausência.



.



Há,
agora, uma jovem que trabalha.



Um homem
sem camisa que vê tv.



Um que
vagueia, sentado sobre o próprio desespero.



Um cão que, no meio do silêncio, abana o rabo para ninguém.



.



Uma mulher que absolutamente não sabe o que fazer.



*



Essa
falsa ideia que o mar



nos dá de
que é a gente que entra



nele.



*