[Laetitia Jourdan]
Em maio desse ano ainda não podíamos imaginar o quão atual e certeiro seria o tema escolhido para o segundo número da à revista literária. Mas já sabíamos que os tempos não seriam fáceis. Porém, para além dos pesares, o tema escolhido também o foi pelas belezas, magia, pelas iluminuras e por sua força. Não existem trevas se não houver luz.
Começamos então nossa revista com um à forte, moderno, múltiplo, com referências ao caos, ao cosmos, à morte, mas também à possibilidade de vida. Abrimos com uma folha de rosto onde se vê uma imagem invertida. O branco no preto. Folheamos as primeiras páginas e iniciamos a leitura com os perigos da palavra. Mas também anunciamos o risco do silêncio. Vislumbramos a cegueira, não a dos homens que enxergam, mas a verdadeira, aquela que chega a ver o futuro. Passamos por escuridões profundas, que tomam conta de cada um de nós. As trevas também são internas. Cenas áridas, violentas, permeiam nossos dias como que não é nada. Não nos habituaremos.
Vislumbramos o fim do mundo, que esperamos passivos, ou nos atiramos em sua direção quando ele atravessa nosso caminho, insistente. Voltamos no tempo. Quem somos ? Nada, além de homo sapiens sapiens, desejosos de deixar de ser simples apanhadores. Nos questionamos como agir diante de tudo isso: medo de um punhal desembainhado ou a resposta rápida e certeira: foda-se! Chegamos ao meio da revista, ainda sem nenhuma resposta, onde encontramos mais um impasse. Ficar ou partir ? Perdoar? Destruir ? As trevas são muitas e tomam tantas forma... Como reconstruir diante da ruína que nos é imposta? Vale à pena se apegar a vigas que insistem em tombar ? Gosto de pensar que sim, vale tudo para ficar viva. Fica viva. Viva! E junto. Não se perder em ilha, estender a mão para o continente e virar Península. Não vai ser fácil, eu sei. Muitas noites mal dormidas, muitos pesadelos, frio, dor. Mas resistiremos. Resistiremos ao ódio. Podemos gritar. Fazer barulho de porco. Xingar. Vamos! Vamos falar palavrão! Vamos exorcizar o ódio! E depois do mau expelido, teremos como perceber.
Cada coisa tem sua insignificância, cabe a nós encontrarmos a nossa. Finalizando os textos de ficção voltamos ao passado traçando uma ponte que nos mostra a importância da história e o quanto avançamos a passos lentos. Mais uma vez surge a urgência: fica viva. Estela Rosa nos permite acabar a leitura desse número com palavras de ânimo e otimismo. Palavras de uma mulher que escreve.
E assim fechamos a capa de papel color plus Dubai: diante de um Brasil sendo descoberto, esse país traduzido aqui em uma bricolagem de textos de Caetano e Pero Vaz, ‘Tropicália’, ‘A Outra Banda da Terra’ e ‘Carta do Achamento do Brasil’: Quando Pero Vaz Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas. Ali por então não houve mais fala ou entendimento com eles. E com isto nos tornamos e eles foram-se. Obá olá Brasil, mas quem pariu tal gente!
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Laetitia Jourdan é antropóloga e entusiasta do ler e fazer livros, e edita a à Revista Literária, em Belo Horizonte. Graduada pela UFMG e mestre pela Universidade de Provence, hoje se dedica a novas experiências relacionadas à escrita. Seu primeiro livro de contos, Fissuras, será lançado em 2019. (foto: Bianca de Sá)