[Foto: Fernando Biagioni]
Na próxima quinta-feira dia 25/05, às 19h, o Binho Barreto vai lançar o seu livro Perímetro urbano na Tosqueria (Rua Cláudio Manoel, 329). O livro foi editado pelo Selo Leme!
Aqui ele responde as cinco perguntas sobre a escrita:
- Como se iniciou a sua relação com a escrita?
Na adolescência eu costumava escrever bastante. Escrevia o que vinha à cabeça, coisas meio sem sentindo, um monte de metáforas e anotações aleatórias – eu tinha muita ansiedade e rascunhar frases me deixava mais tranquilo. Eu não encarava aquilo como escrita, era uma espécie de desabafo. Na graduação, em artes plásticas, escrevi o tempo todo. Habilitei-me em desenho e fotografia, e ambos os projetos contaram com uma série de escritos no processo. Um dos textos que está no livro partiu do meu projeto final em fotografia, O Cão Malote. Recentemente, a escrita da dissertação de mestrado me ajudou a criar uma disciplina maior com o texto. Porém, sempre foi uma relação um pouco negada. No Perímetro Urbano eu tentei me esquivar de ter que escrever. Pensei em convidar outros escritores para que eu não tivesse que vencer o desafio da escrita. Felizmente, meu plano inicial deu errado e fui obrigado a encarar a tarefa. Fiz um curso com a Flávia Péret, tive a interlocução com a Laura Cohen e a edição da Elza Silveira, essas coisas me deram mais coragem para assumir os meus textos. Agora é como se eu tivesse descoberto, ou redescoberto, uma paixão – estou adorando escrever e tenho percebido a necessidade de estudar e de me aprimorar cada vez mais.
- Como, no momento, funciona o ofício da escrita para você?
É algo que considero recente, quando escrevo fico inseguro e muito empolgado. Lembro que, há poucos meses, tirei uma temporada para me dedicar a uma pesquisa com o desenho e quase não consegui desenhar de tanto que escrevi – fiquei inventando pequenas histórias e fazendo poemas (coisas que me apontaram o caminho para uma futura publicação). Trabalho cotidianamente desenhando, atividade que tem algumas peculiaridades expressivas e vários pontos de contato com a escrita. Quando terminei o Perímetro Urbano, senti um desejo muito forte de fazer um novo livro. O livro, como suporte, me permite um tempo mais dilatado e de maior reflexão. É como se a sua estrutura me possibilitasse uma soltura, como um eixo que não prende mas serve de referência – que cria uma órbita. Meu interesse é explorar as interfaces entre palavra e imagem – buscar complementaridades e contrapontos. Não tenho fôlego para atuar cotidianamente com a escrita, mas possuo muito interesse por ela como meio investigativo.
- Como as suas leituras se concatenam com a sua escrita?
Vou contar uma pequena história. Na adolescência eu tinha um amigo que lia muito. Naquela época, eu era vidrado em música alternativa e ele era um grande conhecedor de tudo enquanto era barulho e experimentação musical – conhecia um monte de bandas e nomes de gravadoras independentes. Era uma época sem internet e quase sem importação de discos, a gente tinha que garimpar novidades. Eu morava na metade do caminho, a pé, entre a casa dele e a biblioteca pública. Ele sempre passava no meu prédio para deixar alguma fita cassete e continuava caminhando até a biblioteca. Eu fazia questão de acompanhá-lo e, no caminho, pedia para que ele me contasse a história do último livro que tinha lido. Caso o relato fosse bom, eu pegava o livro na mesma hora em que ele devolvesse. Conto esse caso porque nesse ambiente a leitura e a expressão surgiram relacionadas. Eu devorava fanzines, quadrinhos undergrounds, principalmente da editora Circo, e ouvia música de todos os tipos. Os livros logo começaram a fazer parte desse universo. Era um período de muitos questionamentos e descobertas – estávamos no final dos anos oitenta (redemocratização, militarismo, “carestia” e fim da guerra fria eram termos frequentes). Tudo o que eu assimilava, através dos zines, dos quadrinhos, dos livros e das músicas, eu devolvia desenhando ou escrevendo. Na escola havia uma dicotomia entre um ensino extremamente careta, com base no período de ditadura militar, e alguns professores que aproveitavam da recente abertura para introduzir conteúdos instigantes. Ler era uma maneira de expandir essa parte que eu considerava estimulante e escrever, assim como desenhar, era uma forma de devolver essas informações. Eu produzia muito, mas tudo se perdia no fundo da gaveta. Depois acabei me dedicando mais ao desenho e aproveitando menos do prazer de escrever. Volto nesse exemplo por considerar que ele ilustra um período muito importante na minha formação, desde aquela época eu sempre li bastante. Não posso dizer que a mesma coisa se deu com a escrita, em algum momento eu criei um bloqueio pelo medo de escrever “errado”. Entendo que a leitura estimula a imaginação (para o texto e para o desenho). Lendo a gente completa as informações e cria “imagens mentais”, recria e dá cores e temperos próprios para o que está absorvendo. A expressão tem algo de devolver modificado, recriado. Penso que é necessário também acreditar na importância de olhar diretamente para o que está por perto e assumir a sua fala.
- O que é difícil na escrita? E o que é fácil?
Eu tenho alguma facilidade para me expressar no papel – para mim, é muito natural pegar uma caneta e sair escrevendo. Adoro passar algo que está na minha cabeça para a folha ou ir inventando enquanto surgem garranchos. Acredito que o mais difícil é alcançar uma técnica razoável na escrita e ter mais confiança. Sou extremamente inseguro quanto aos erros gramaticais e possuo pouco conhecimento sobre teoria literária. Queria saber mais de gramática, até para poder rompê-la com maior segurança. Gostaria de conhecer melhor os estilos literários e a história da literatura. Penso que o conhecimento teórico que tenho nas artes visuais me dá mais confiança no desenho e que o mesmo poderia se dar com os textos. A compensação é que me considero muito sensível às experiências cotidianas, absorvo muito da expressão coloquial e vivo intensamente a cidade – percebo nisso uma aposta para a minha escrita. Sou muito curioso sobre os mais variados processos criativos e acompanho diversas expressões artísticas, acho que isso possibilita contaminações muito potentes. Sinto também que meus interesses pelo texto e pelo desenho se conectam em uma busca que é comum, a procura por uma poética minha – uma forma de fazer, em ambos, que expresse o meu olhar. Talvez essa seja a parte mais difícil e mais prazerosa nas duas áreas.
- Escrever é, para você, uma necessidade?
Nos momentos mais difíceis da minha vida, quando estou no limite da ansiedade ou de alguma emoção forte, sinto uma vontade absurda de escrever. Saio escrevendo qualquer coisa e isso me deixa mais calmo, me coloca novamente no eixo. Acredito que tem algo de meditativo nessa prática. Existe uma dimensão que me fascina que é a do jogo com as palavras e com os sentidos. Sou muito instigado pela linguagem, pelas coisas que conseguimos provocar através das nossas expressões. Adoro também os desenhos das letras, a grafia – ás vezes fico simplesmente olhando para as palavras. Atualmente, sinto um enorme desejo de desenvolver mais a minha escrita – de praticar, de estudar e de ter trocas com pessoas do meio. Enfim, acho que escrever para mim é uma necessidade. É um exercício de lucidez.
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Binho Barreto trabalha em diversas áreas que têm o desenho como interseção. É ilustrador, professor e, desde 1995, atua cotidianamente com o graffiti. Participa de projetos interdisciplinares e desenvolve pesquisas com fotografia e processos gráficos. Mais recentemente vem se aproximando da escrita, na busca por interfaces entre palavra e imagem. É formado em Artes Plásticas pela Escola Guignard/UEMG, com mestrado em Arquitetura e Urbanismo pela UFMG. Nasceu em Belo Horizonte e, após temporadas em São Paulo e em Nova York, voltou a residir na capital mineira. Participou das residências artísticas Repia (em BH), RAM5 (na cidade de Altamira em Minas) e Agora Art Action (em Bela Crkva, na Sérvia). Já expôs em mostras individuais e coletivas no Brasil e no exterior.