Carina S. Gonçalves lança seu livro de poemas Nada acontece (Urutau, 2018) no próximo sábado, 1º de dezembro, às 19h, no Bardagabi. Aqui, ela responde as cinco perguntas sobre a escrita:
- Como se iniciou e se estabeleceu a sua relação com a leitura e com a escrita?
Comecei a ler por curiosidade. Não por uma curiosidade específica pela literatura, mas pelas coisas da casa e dos outros (meus pais): os guardados das gavetas da minha mãe, as pastas de fotos no escritório do meu pai, os discos de música italiana dos anos 60 ao lado da radiola, fitas de vídeo, e os livros nas estantes. Quando descobri que os livros estavam cheios de coisas dos outros, fui trocando, aos poucos, a exploração dos objetos íntimos dos meus pais pelo íntimo dos personagens, mesmo porque já não havia mais nada que eu não houvesse fuçado na casa deles.
A minha relação com a escrita não começou por causa da leitura. Desconfio que começou por causa de correspondências. Na minha adolescência pré-internética, eu me comunicava muito por cartas com meus amigos e família. Fui entendendo que contar escrevendo era diferente de contar falando e que além de organizar o pensamento, a escrita dava espaço para inventar, exagerar, sensibilizar. Era poderoso escrever cartas.
Mais tarde, criei um blog em que publicava “desabafos”, o chezcarina, mas eu nunca nem sonhava em ser escritora, muito menos poeta, apesar de hoje conseguir enxergar o germe da poesia nos meus textos antigos.
Essa coisa de levar a sério a literatura veio quando conheci a Laura Cohen no curso de contos. Foi maravilhoso estar em contato com ela e com outras pessoas que escreviam. A minha leitura ficou mais crítica, passei a ler muito mais e entender alguns mecanismos da ficção. E o desejo de escrever foi ficando mais forte, principalmente, quando a Laura e a Flávia Péret me apresentaram as autoras e os autores contemporâneos. A escrita que parecia inacessível por causa da comparação com os canônicos, foi se tornando possível.
A poesia demorou a chegar para mim, pois era um gênero que eu não lia. Gostava de uma coisa ou outra, mas não corria atrás como eu fazia com contos e romances. A Laura sugeriu, um dia, que eu transformasse um “conto” meu em poema e isso fez muito sentido. Foi aí que compreendi que eu pensava muito mais com cabeça de poesia do que de ficção e desde então, não paro de ler e escrever poemas.
- Como, no momento, funciona o ofício da escrita para você?
Penso que por já trabalhar com texto (sou redatora publicitária), não gosto de me impor regras e horários para escrever. A escrita literária é o que tenho de mais livre, por isso, escrevo quando eu desejo, ou quando a escrita deseja (ela é muito mandona). Normalmente, quando tenho uma ideia ou vejo algo que me chama a atenção, eu escrevo imediatamente no aplicativo Color Note do meu celular. Mais tarde, começo a desenvolvê-la e costumo fazer várias versões. Mostro para pessoas em que confio, coleto os palpites e vou reescrevendo.
- Como suas leituras se concatenam com sua escrita?
Já escutou uma música muito alta no fone e cantou junto? Por um momento você acredita que a sua voz é a mesma da Billie Holliday, com toda a sua afinação, trejeitos e estilo. Só que se você abaixa o som e escuta a própria voz, você percebe que a sua modulação vocal não se encontra com a dela, e nem tão afinada você é. Penso que é aí que minha escrita se encontra com a leitura.
Adoro o título “O imitador de vozes” do Bernard Thomas. Acho que sou uma imitadora de vozes. Como um Zelig, vou transformando a minha escrita naquilo que eu leio. Às vezes a voz de outro artista está nítida no meu texto, outras vezes está dissimulada, ou apagada, mas sinto que preciso sempre de um referencial de voz para criar a minha própria.
- O que é difícil na escrita? E o que é fácil?
Difícil é antes e depois. Antes é a ansiedade de pensar “como vou escrever, qual a solução eu vou dar?”. E depois é aquele pensamento “ficou tudo uma grande merda”. O durante não é fácil, mas é um momento de tanta presença que eu não consigo avaliar se é difícil também. Talvez seja difícil entrar nesse modo presente, mas estando nele, o texto flui e é muito prazeroso. Há também os momentos de reescrita e de corte que já são mais racionais e menos intuitivos que são, para mim, a parte técnica da escrita. Eu costumo ficar muito mais tempo nesses dois últimos. Eles são mais trabalhosos, sem dúvida, mas ainda assim não são nada penosos.
- Escrever, para você, é uma necessidade?
Sim e não. É uma necessidade escrever minhas ideias e pensamentos cada vez que escuto um “estalo” do cotidiano ou que algo me põe em um estado de alerta, mas nem sempre estou desenvolvendo essas ideias, às vezes elas nem chegam a virar texto. Depende muito do que estou vivendo e do meu tempo disponível.