1. Como se iniciou a sua relação com a escrita?
Comecei acho que como muitas pessoas, fazendo diários. À medida em que saía da infância para a adolescência, em que lia, conhecia novas formas de escrever, conhecia mais poesia, esses relatos deixavam de ser relatos e exigiam quebras de formas e um uso diferente das palavras e do texto. Então comecei a brincar em torno disso, por uma questão de expressão mesmo.
2. Como, no momento, funciona o ofício da escrita para você?
É um processo que para mim tem etapas bem definidas e diferentes entre si e em que o tempo é um fator extremamente relativo.
Uma primeira escrita é o momento de expressão de coisas que me interessam em algum aspecto - aqui surgem ideias, palavras, imagens e sensações específicas.
Depois, numa segunda etapa, há uma estruturação de forma, uma primeira brincadeira estética. Passar para essa etapa depende do quanto o primeiro texto é interessante e tem potencial do ponto de vista estético.
Em seguida tem uma terceira etapa - que pode se repetir muitas vezes, indefinidamente, de refinamento e acabamento. Pode parecer menor, mas é nela que consigo realmente entender se há mesmo um poema ali ou não. É nela que forma, sentidos, palavras, imagens ficam realmente intrincados num todo que precisa funcionar, de que não se pode retirar, colocar, trocar nada sem que se perca alguma coisa. É aí que entendo que esgotei o trabalho com aquele texto e ele está pronto. Daí procuro olhar pra ele de longe e entender se é um objeto interessante ou não.
Como eu disse, um ponto que é importante nesse processo é o tempo, extremamente variável. Às vezes o poema para durante anos em alguma etapa, depois volta. Às vezes deixo descansar alguns dias e basta. Mas principalmente para esse olhar de longe é necessário tempo.
Não tenho muita disciplina na escrita, mas a nunca passo muitos dias sem escrever nada. Posso escrever muitas coisas que vou jogar fora, mas não escrever nada é difícil.
3. Como as suas leituras se concatenam com a sua escrita?
De uma maneira bastante instintiva. São mil vozes na cabeça que vão criando um vocabulário. A frase é minha, até por que normalmente parto de experiências muito pessoais para criar um universo que é estético e acabam tendo pouco a ver com a experiência que o originou. Mas as coisas que compõem esse universo vêm de muitos lugares e, é claro, da leitura.
E tem aquelas leituras que realmente mudam a vida. Algumas para mim foram fundamentais, até para libertar a forma de escrever e ter a possibilidade de encontrar uma maneira minha, que acredito estará sempre em construção.
4. O que é difícil na escrita? E o que é fácil?
Difícil é saber o ponto da massa. É instintivo, vem da experiência e do tato. Do contato das mãos com a massa. Fácil é escrever, escrever, escrever. E sentir o cheiro do pão na casa quando ficou bom.
5. Escrever é, para você, uma necessidade?
A escrita é mesmo uma necessidade. Algo que preciso fazer todos os dias. Algo que me chama de volta quando me afasto e que eu vou cortejar quando se afasta.
Depois de terminar o caderno das inviabilidades, num momento de pouca escrita, mas que sempre tem alguma, até escrevi um texto sobre isso.
--
Eliza Caetano é nascida em Belo Horizonte, jornalista, mãe de duas filhas e escreve poesia desde sempre. O Caderno das Inviabilidades (Urutau, 2016) é seu primeiro livro de poemas.
Leiam aqui um dos textos do livro:
Depois de alguns dias longe de você, querida, me sinto, confesso, um pouco seca, um pouco alta. Ando pela casa – sala, quarto, corredor, banheiro, cozinha. Um banho, a geladeira, o fogão, deitar, ver televisão. Me sinto outra, mudada, como se não me visse há tempos. Reviro os olhos pra te encontrar em tempos onde você já esteve. Mas a memória me trai.
Então, querida, resolvo voltar. Contando que também você volte a querer me ver. Sigo pelo cheiro, invento uma festa, convido os amigos. Salgo a carne, preparo o lombo, acendo a grelha esperando você aparecer. Venha, querida, me querer em brasa defumando a casa, espalhando cheiro de fome pelos vestidos mais guardados. Venha me erguer vermelha sobre o telhado, me exibir morta como um troféu, me deixar dançar pés de sapatilha carbonizados sobre as telhas de barro, rígida e silenciosa, cortar meus cabelos, deitar cedo e depois dormir. Depois de você, querida.