Maraíza Labanca nasceu e vive em Belo Horizonte. É escritora e ministra oficinas e ateliês de escrita literária no Espaço'a'mais. Escolhemos alguns poemas de Exceto na região da noite (Urutau, 2019) por um motivo especial: na semana próxima, Maraíza Labanca inicia uma oficina de quatro encontros aqui nas EN. A oficina foi pensada especialmente a partir de procedimentos usados na escrita dos poemas do livro, passando por procedimentos com verbetes, manuais e listas. Aproveitem!
*
Fogueira
Uma
fogueira pode ser inofensiva
pode ser
um título pode ser a queima
pode ser
um modo de se livrar pode
ser
olhada de longe pode ser
a soma
dos galhos folhas escombros
pode ser
a chama a brasa a casa de um louco
e uma fogueira
pode ser
o fogo.
*
Para
tratar o abismo
Com as
linhas dos dedos,
contorne o
contorno do seu contorno,
confronte
a boca do seu poço
sem
avançar; não fale com ele,
não o
acordem, mas con-
fronte-o;
não
lute
tanto, desista
de tratá-lo,
não jogue cal,
não atire
o sim, não atire o não,
não creia
em sua barragem;
saiba que
o ermo é a sua fonte,
que a
marca dos seus pés será
sua única
palavra
à procura de um onde.
*
Coisas
que agravam a dor
telefonema
o caroço
das coisas
o
pensamento voltado para lá
os vidros
intactos
a gordura
envoltória
os passos
de quem vai
os cacos
de um corpo
os pratos
o
tilintar dos pratos
o ruído
do ventilador
o fim do
cigarro
o centro
do livro
as praias
o olho
dos cães
o olho
das mães
o espaço
o oceano
intacto
a falta
de grampos
a beleza
os
chamados
nenhum
chamado
acordar
o estômago, ainda
*
Noite
branca
Olho as
janelas que ainda estão acesas
como
fazia em outro país: a insônia
aproxima
anônimos em sua distância,
como se
de longe partilhássemos
o mesmo cigarro, a mesma ausência.
.
Há,
agora, uma jovem que trabalha.
Um homem
sem camisa que vê tv.
Um que
vagueia, sentado sobre o próprio desespero.
Um cão que, no meio do silêncio, abana o rabo para ninguém.
.
Uma mulher que absolutamente não sabe o que fazer.
*
Essa
falsa ideia que o mar
nos dá de
que é a gente que entra
nele.
*