(Fotos: Matheus Lustosa)
Jabuticaba é o primeiro livro de Filipe Costa. Composto de 48 fotografias de celular, 2 prints de whatsapp, 10 poemas e 2 anexos, ele foi escrito durante uma viagem pelo interior de Minas Gerais. Jabuticaba será lançado em Belo Horizonte no próximo domingo, 04/08, n'A Central, 17h. Conversamos um pouco com ele sobre escrita, imagem, ofício e a feitura do livro:
1. Você é artista gráfico - esse ofício que mistura criação com imagem e palavra. Vimos que entre as fotos do Jabuticaba, há um registro de leituras: um livro do Alejandro Zambra, uma revista Piauí, a citação do Cortázar... Como se deu para você o início da sua vida de leitor (de palavras, de imagens)? Como você começou a escrever - também com palavras e imagens?
A primeira lembrança que guardo do meu contato com palavras e imagens vem dos gibis da Turma da Mônica e de embalagens de shampoo e cereais. Ao longo da primeira infância me tornei um colecionador dedicado de rótulos e embalagens descartáveis. Já no ensino superior, me formei em Comunicação Social e concluí um curso técnico em Design Gráfico. Foi neste contexto que me vi diante do exercício de harmonizar palavras e imagens aplicadas a campanhas, anúncios, cartazes, livros etc. O desafio constante de promover essa combinação se tornou um paradigma de vida profissional.
2. Esses dois elementos - palavra e imagem - sempre estiveram interligados para você? Ou existe uma separação?
Há quase dez anos que trabalho com criação em design gráfico para o meio cultural em Belo Horizonte, com foco especial para o teatro. No universo teatral, imagem e palavra quase sempre estão interligados - uma palavra ou um texto pode sugerir/criar uma imagem e vice-versa - e isso é fascinante. Ao longo dos anos fui me tornando, ao lado do parceiro criador João Emediato, um fazedor de cartazes para grupos de teatro. Essa relação entre elementos de texto e imagem passou então a ser uma pesquisa cotidiana, um prisma sob o qual o cotidiano real se apresenta. No campo da tipografia, por exemplo, me interesso pela palavra como um desenho, como uma imagem no suporte, capaz de criar novas paisagens e ampliar sentidos para além do seu significado. No livro, o interesse pelo jogo entre texto e imagem surgiu de forma instintiva mas, certamente, inspirado por trabalhos como os do artista recifense Jonathas de Andrade. Concluindo, não me interessa separar estes elementos, me interessa a possibilidade do jogo entre eles.
3. E como foi o processo de concepção, criação e produção do livro Jabuticaba?
Jabuticaba nasceu no contexto de uma relação de amor "improvável" entre dois amigos de longa data. Havíamos decidido viajar por algumas cidades no interior de Minas Gerais e junto disso, umdesejo de criar algum tipo de registro artístico e documental. A escolha pela criação de imagens fotográficas surgiu de forma espontânea inspirada pela leitura do livro O amor dos homens avulsos, do Victor Heringer. Ao longo da obra, o escritor insere algumas poucas imagens fotográficas de seu acervo que, no contexto do livro, adicionam outra camada de leitura para o romance. O aspecto cru e documental das imagens amplia as possibilidades do jogo entre ficção e realidade e dão mais densidade à história.
O primeiro passo para feitura das imagens foi inventar uma metodologia de criação: produzi-las sob determinadas regras. As primeiras regras criadas ditavam sobre o uso de celular como dispositivo único, a ausência de pessoas nas imagens, enquadramentos imediatos que se aproximassem do campo do olhar e a criação de legendas para as fotos ao final do dia. Ao longo da viagem criei um acervo de imagens inicialmente desconexas que passou a incluir também prints de whatsapp feitos durante o percurso. Em um segundo momento, as imagens foram dispostas em pares e a partir deste momento novas possibilidades de leitura, contradições, ficções e temáticas foram naturalmente se revelando. Deste ponto em diante, o processo se tornou um exercício exaustivo de edição, combinação e associação entre texto e imagem. Ora o texto revela e ora esconde; ora reforça e ora nega; ora diz e ora contradiz. O diálogo com outros artistas da cidade de diferentes áreas foi expandindo o trabalho, tornando-o menos um documento íntimo e pessoal, mais uma obra aberta.
A criação do projeto editorial se deu ao lado da designer Luísa Rabello (Chão da Feira). Ela foi a primeira pessoa a ter contato com as imagens produzidas durante a viagem e foi quem me atentou para a possibilidade daquele material se tornar uma publicação. De acordo com ela, precisava apenas de muito trabalho. Jabuticaba não nasceu livro, tornou-se.
4. O que você acha mais complicado na criação? E o que é mais prazeroso?
O mais complicado na criação é fazer escolhas e o mais prazeroso também!
5. Você tem outros projetos autorais depois do Jabuticaba?
Assim como foi no processo de criação do Jabuticaba, quero continuar uma investigação em projetos multidisciplinares. Certamente virão outros projetos autorais mas o suporte está ainda em aberto pra mim.
6. Indica um livro pra gente?
O amor dos homens avulsos do Victor Heringer.
Filipe Costa é mineiro de Divinópolis, nascido em 1988. Como designer gráfico e artista visual no Estúdio Lampejo, em Belo Horizonte, desenvolveu ao longo de oito anos diversos projetos autorais e comerciais publicados em países como Japão, China, Hungria, Inglaterra, Espanha e Rússia. Em 2012 concorreu ao Grammy Latino na categoria de Melhor Projeto Gráfico, pelo álbum "Abaporu", da cantora Laura Lopes. Ao lado do artista gráfico João Marcelo no Estúdio Lampejo, representou o design brasileiro no -ING Creative Festival, em Dubai. Em 2017, o projeto autoral "Breves Bandeiras” dos dois artistas foi exposto durante o festival BONDE.br em Nova Iorque. Neste mesmo ano, tiveram três projetos selecionados para integrar a 12ª Bienal Brasileira de Design. À frente da A Central desde 2018, é responsável pela comunicação visual e curadoria artística do espaço. Jabuticaba é seu primeiro livro. (Foto: Matheus Lustosa)