ESCREVER, para mim, é uma palavra linda. Gosto de pronunciá-la em voz alta, gosto da ação de tomar a caneta e escrever no papel, gosto de digitar as letras no teclado, o gesto mecânico da escrita me organiza.
Mas duas perguntas me perseguem desde quando comecei a escrever sistematicamente, aos onze anos de idade:
Por que escrevo? Para quê escrevo?
Acho que essas perguntas já me incomodavam antes que eu tivesse a coragem de pegar um caderno e escrever, elas me faziam adiar a vontade de escrever até que ela se tornasse insuportável, até que ela se tornasse o que parecia ser necessidade verdadeira, que beira o fisiológico. Não escrever estava me levando à loucura.
Percebo que “por que escrevo?” é uma pergunta que pode ser respondida por muitos vieses, e que ela não tem apenas uma resposta universal correta, mas várias respostas pessoais.
Do ponto de vista da astrologia, segundo uma amiga astróloga, escrevo porque na minha casa três (portanto a casa de gêmeos, casa da palavra), estão quatro planetas: mercúrio (o dono da casa), netuno, saturno e urano.
Do ponto de vista da psicanálise, descobri que a escrita é para mim um mecanismo de compensação de frustrações, questões, perguntas sem resposta, e que esse mecanismo é um ótimo remédio para o meu baixo metabolismo emocional – tendo a guardar sentimentos, rancores, coisas não ditas, e minha memória é muito boa, uma receita perfeita para o enlouquecimento e a fragmentação de si.
Pelo viés biográfico, quando criança, meus pais me enchiam de livros, me levavam a bibliotecas antes mesmo que eu aprendesse a ler e liam para mim. Eu gostava de desenhar e esses desenhos se tornavam histórias antes mesmo que eu aprendesse a escrever, e isso se tornou um hábito parecido com necessidade fisiológica, tão importante quanto comer e dormir.
As pessoas escrevem por vários motivos, todos muito pessoais. Gosto muito dos motivos enumerados pela artista Grada Kilomba no vídeo Enquanto escrevo, que minha parceira Flávia Péret me apresentou:
https://www.youtube.com/watch?v=UKUaOwfmA9w
Das razões de Grada, a que mais me comove é: escrevo porque preciso. Eu e ela, pessoas tão diferentes, estamos unidas aí na escrita.
Escrever é uma união entre diferentes. É quando eu consigo me pôr no lugar do outro, no exercício mais radical de empatia.
Logo, vem a pergunta mais capciosa: para quê escrevo?
É interessante, estou me treinando para reagir de forma crítica sempre que aparece alguma pergunta relativa a utilidade. Antes de tudo, temos que pensar que nem tudo é feito para “servir”. Na verdade, as coisas que mais gostamos, as coisas que nos dão prazer não são “úteis” em primeira instância, o que realmente importa para nós como seres humanos não “serve”. É de outro registro que não o da utilidade.
Pode parecer uma colocação idealista, mas nos tempos em que estamos de novo de cara a cara com o fascismo, que prega a valorização da semelhança dos seres e não das riquezas da diferença, isso é a coisa mais importante a se fixar.
Tive a sorte de fazer da escrita uma profissão. Minha jornada com a escrita não é apenas pessoal, mas fiz dela partilhada e pública, porque para mim ela também vem com produção de conhecimento (artístico, afetivo, editorial).
Acredito que escrever é uma palavra que está a serviço de quem a deseja.
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Começo hoje uma nova série de textos no blog – mais curtos, que discorrem sobre palavras-chave no meu processo de criação, edição e partilha. Esses textos serão produzidos a partir de uma fala que fiz no projeto Ideografias, de organização de Tailze Melo e Renata Alencar.
O primeiro texto dessa série vem com um convite: no domingo, 14 de outubro de 2018, às 10h, iniciaremos uma série de oficinas públicas e gratuitas em lugares de Belo Horizonte aos fins de semana. O projeto, chamado de ESCRITA PÚBLICA, vai ter seu primeiro encontro na praça Duque de Caxias em Santa Tereza, Belo Horizonte/MG. Para saber mais, clique aqui e acesse o evento no facebook.
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Laura Cohen Rabelo publicou os romances História da Água (Impressões de Minas, 2012) e Ainda (Leme, 2014), o livreto de poemas Ferro (Leme, 2016) e o romance Canção sem palavras (Scriptum, 2017). Mestre em estudos literários pela Faculdade de Letras da UFMG, é idealizadora e coordenadora do projeto Estratégias Narrativas, onde ministra cursos e ateliês de produção literária. Faz parte da coordenação do selo Leme da editora Impressões de Minas.