O que li de fevereiro com atraso porque estava trabalhando
muito. Mas agora que estamos em casa, sem sair, vamos falar dos livros bons que li em fevereiro, no meu carnaval que foi apenas de leituras.
Lembrando que a livraria Quixote daqui de BH está agora com
um tele livros: se vocês quiserem, mandem uma mensagem pro zap deles e serão
atendidos por uma livreira que manda os livros pra casa de vocês: (31) 8676-1007
Não é publi, estou apenas dando moral para uma livraria que amo e que é super
parceira da gente.
HOJE ESTARÁS COMIGO NO PARAÍSO, Bruno Vieira Amaral. Cia das Letras, 2019.
Com certeza, já uma das melhores leituras do ano – e estou
chateada porque não estou ouvindo falar muito desse livro. Falo agora: esse
livro DESGRAÇOU TANTO MINHA CABEÇA e ME DEIXOU TÃO PERPLECTA que assim que terminei
de ler, tive que começar a escrever um troço novo, seguindo um pouco os
procedimentos do autor, que mistura transcrições de entrevistas e uma narrativa
em primeira pessoa.
O livro consiste em uma investigação da morte de João Jorge,
um primo do autor, assassinado aos vinte e poucos anos de idade, quando o autor
tinha sete. Esse narrador-autor conta como foi crescer em uma zona periférica
de Portugal, repleta de imigrantes de alguns lugares da África. Talvez, uma das
maiores reflexões sobre colonialismo, branquitude, racismo, paternidade,
justiça e família que eu já li. Eu marquei esse livro para sempre, em várias
partes, mas escolho uma das dezenas de citações:
“Herdamos os genes, é certo. Ao longo da minha vida, ouvi
pessoas dizerem o quanto eu era parecido com o meu pai – na altura, no corpo –
e descobriram espantadas as parecenças noutros pormenores que acreditavam ser
da ordem do adquirido – o modo de falar, a entonação, as cóleras súbitas. Diziam-me
com uma ponta de recriminação, como se eu fosse herdeiro de uma culpa, como se
não tivesse sabido escapar a uma maldição, como dizia minha avó materna, ‘és
como o teu pai’”.
ESBOÇO, Rachel Cusk, todavia, 2014. Trad. Fernanda Abreu.
Em dez capítulos, um romance dez histórias de pessoas em uma
viagem à Grécia. Esboço é um livro sobre
a escuta. Sobre ouvir a história do outro, sobre recontá-la indiretamente,
sobre a construção de histórias no diálogo e no monólogo. Sobre amor, línguas,
desencontros, traição, perdão, paternidade, oficina de escrita, egoísmo,
arrogância. Não sei se consigo dizer muito mais sobre esse livro sem estragar a
surpresa que ele foi para mim: uma leitura agradabilíssima, refrescante e
simples. Excelente para os dias de quarentena, e ainda com essa capa
espetacular. Uma citação:
“Tinham lhe dito, por exemplo, que a palavra ‘elipse’ podia
literalmente ser traduzida como ‘esconder atrás do silêncio’”. É fascinante,
disse ele”.
MICHAEL
KOHLHAAS, Heinrich von Kleist.
Grua Livros, 2014. Trad. Marcelo Rondinelli.
Baseado em uma lenda e publicado em 1810, esse livro era um
dos favoritos de Franz Kafka, e há nele um elemento kafkiano notável. É uma
história simples que vai se tornando cada vez mais rocambolesca e complicada:
um comerciante de cavalos, Michael Kohlhaas, sofre uma injustiça ao ter cavalos apreendidos ilegalmente por um nobre. Reparando em como o nobre em questão saía ileso de seu crime, ele mesmo resolve fazer justiça com as próprias mãos – e a violência da história vai escalando... O livro inaugura um dilema político: se os grandes podem fazer o que querem e não são punidos, onde está a justiça?
Acho que todo estudante de direito, advogado e juiz deveria ler esse livro. E
acho muito bom para repensar certas passividades diante de injustiças. É uma escrita limpa, lindíssima, mas um pouco difícil, com suas frases longas (alô fãs de Bernhard). Por medo de spoiler, coloco a brilhante fala da quarta capa: “podes me levar para o cadafalso, mas eu posso e vou te fazer sofrer!”.
O BOM FILHO, You-Jeong Jeong. Todavia, 2016. Trad. Jae Hyung Woo
Depois de ler A vegetariana, fiquei querendo me
aventurar mais na leitura coreana. Então, escolhi esse thriller escrito,
também, por uma mulher. Mas desse livro aí... juro que queria ter gostado, mas
não gostei, não. Muitos clichês narrativos, lugares comuns DEMAIS, mal
utilizados (minha irritação com certa literatura de suspense). A gente sabe
exatamente o que vai acontecer, e talvez a construção de personagem salve um
pouco a coisa... mas achei pouco palpável. Teve o mérito de me arrastar até o
final, como certas séries de TV ruins fazem com a gente. No entanto, o livro
tem uma frase de-fuder de boa: “o esquecimento é a mentira suprema”.