[Por Laura Cohen]
O Diogo chegou aqui no ateliê para fazer uma oficina de copidesque e edição, e fomos colegas durante a maior parte do tempo. O rapaz vindo do sul se apresentava como revisor e tradutor – e inclusive me colocou por dentro de uns programas muito legais que ele usava para traduzir, tecnologia que, apesar dos meus esforços, nunca consegui dominar. Só depois disso tudo isso ele disse, sempre com humildade (e depois de alguma insistência minha), que escrevia. Mas ele não disse o quanto escrevia.
Quando fomos começar a preparação, ele chegava cada vez com mais material. Diogo escrevia e esquecia, escrevia para si mesmo: aquela pasta lá no computador, cheia de textos, que escreveu não sei quando, ou os poemas que se multiplicavam cada vez mais, como se tivessem surgido de uma gaveta, e não da mão e da cabeça dele. E agora as coisas brotavam dele numa velocidade e num volume que sempre me satisfez – por exemplo, quando foi fazer a oficina do livro infantil com a Elza Silveira, apareceu com um pacote cheio de textos, potenciais livros para crianças, e foi editando esse material com a Elza também. Toda hora surgia um poema satírico aqui, uns versos novos ali, um conto acolá, e de pouco em pouco a gaveta dele foi lotando.
Depois de um longo trabalho de corte e edição, em que ele ficou dependurado entre textos e traduções, Diogo me apareceu com algo que ele disse ser um livro. Era um calhamaço de 62 páginas, uns poemas curtos alternados com poemas longos. Fiz a minha leitura, minha separação, cortei uns poemas, dei sugestões em outros e vi que não havia um livro ali: havia dois. Entretanto, entre um livro e outro, tinha um poema estranho que não parecia se encaixar, um poema chamado Do pó ao pai, com sete estrofes, ocupando duas páginas de word. Da primeira vez que li este poema senti uma espécie de deja vu literário: uma sensação de que eu já tinha lido aquilo antes– e nisto veio uma comoção: era algo novo, sim, mas algo que conversava com uma espécie de voz do passado. Ao editá-lo, logo percebemos que um título mais apropriado seria simplesmente Do pó e ficou assim, preciso como o poema.
Existe uma solidão em escrever muito – eu escrevo muito, por necessidade, acredito que o Diogo também faça isso por necessidade, então me alegra muito ver que existe outra pessoa comigo, outra pessoa que se empenha neste trabalho que toca a loucura. Além do volume, há outra coisa especial que eu gosto na escrita do Diogo: uma rigidez antiga, um formalismo, um ouro barroco, um riso sério. Isso me deixava muito desconfiada no começo: nós, autores contemporâneos, muitas vezes torcemos o nariz para uma escrita que chega a doer de tão correta. Encontrando o seu modo de fazer, encontrando a si mesmo na poesia, Diogo está fazendo do velho, do clássico, do já dito uma coisa completamente nova. É o novo com sabor ancião, um lugar escuro que as vezes nos dá sustos e prega peças. Atenção editoras: Diogo da Costa Rufatto está repleto de coisas para publicar.
Os nossos queridos autores de zines e publicações independentes ensinaram uma grande lição ao fazer pequenos impressos com textos ótimos: um bom livro não precisa ter duzentas páginas, doze é o suficiente. Sugeri a ele que o ateliê pagasse a publicação daquele poema Do pó, estávamos guardando uma grana para isso, e como seria um livro bem pequeno, ficaria em conta e recuperaríamos o dinheiro rapidinho. Funcionou como um primeiro teste. Escolhemos papel e acabamento e agora temos 200 exemplares do poema impressos com qualidade e cuidado. Vai ser lançado na XIA – Feira de publicações Ultra-independentes, um projeto muito legal dos Habitantes, coletivo formado por professores e alunos da escola Oi Kabum, e vai ter lançamento também do livro da autora Vênus Stradioto (Em luta até que todas sejamos livres). Vai ser no próximo sábado 26 de novembro de 2016 na Benfeitoria (R. Sapucaí, 153, Floresta), de 14h às 19h. Cada livro custa R$10,00.