TPL

08 de novembro de 2017 - Diogo da Costa Rufatto

A gente é homem e não sabe o que é a tão famosa TPM, talvez tão famosa mesmo porque a gente é homem e precisa criar termos para dar conta do que a gente não dá conta. A gente é homem e, querendo ou não, tem ereções que apontam para a frente. A gente é homem e não vive muitos dos ciclos da vida.

E talvez por sentir a falta desses ciclos e justamente por precisar de termos para dar conta do que a gente não dá conta, a gente é homem que escreve. Aí vêm os ciclos.

Eu, por exemplo, costumo iniciar textos num arroubo, depois guardo por um (bom) tempo. Retomo, faço mais um pouco, guardo mais um pouco, e assim o texto vai ganhando forma. Depois disso, passa a virar projeto de livro, e aí reescrevo um montão e guardo de novo.

Foi mais ou menos assim com O livro fúcsia – da linguagem tripartida, que estou prestes a lançar. Depois de uma maratona intensa de reescrita para cumprir o prazo e mandar para o edital de publicação de escritores residentes em Belo Horizonte, da editora Urutau, passei uns 3 dias quase que de cama.

Achei que era mera exaustão. Mas era o ciclo.

O livro, não preciso dizer, foi aceito no edital e se iniciou o processo de editoração. Fiz um ensaio fotográfico para a foto de autor, fui o chato que reluta em aceitar alterações propostas pela revisão, enchi o saco do editor para ver a capa do livro, entre outros ciclos.

O livro ficou pronto. O meu e o de mais 3 autoras – faremos um lançamento coletivo. Teve início o processo de achar uma data boa para todo o mundo e um lugar. A ansiedade estava ali, mas os poucos anos de análise já me ajudam a lidar melhor com isso.

Definida a data, definido o local, dormi muito bem uma noite, muito mais do que costumo dormir. Que alívio!

Mas foi só um dia. Comecei a me sentir introspectivo, cada dia um pouco mais, e até mesmo um pouco triste. Trabalho em casa e costumo ouvir música ou deixar a TV ligada num volume mais baixo em qualquer canal, só para ter um barulhinho bom, já que silêncio é impossível para quem mora numa capital e os barulhos metropolitanos não são barulhos bons. Mas faz alguns dias já que passo horas e horas sem ligar nada.

Costumo dormir a noite inteira sem acordar, mas agora tenho acordado para ir ao banheiro, depois tomo água. Tomo água o dia inteiro e tenho a boca seca; me mordi, o que resultou numa afta que já curei, mas aí saiu outra. Tenho mais vontade de deixar o ventilador ou um banquinho na frente da porta de entrada do apartamento, pois se alguém tentar entrar vai fazer barulho e vou perceber. Tive um pequeno surto e espalhei todos os poemas dum próximo livro no chão, para estabelecer a ordem em que vão figurar no livro. Tirei a camisa e deitei no colo deles. Passei 2 ou 3 dias muito triste e sofrido, até que consegui parir um novo poema. Tenho sentido um cansaço muito além do cansaço natural dos dias. E frio. É normal a minha pele estar gelada, mas eu não sinto frio. Nesses últimos dias tenho que vestir meias e até um casaquinho leve. Acordo pensando no lançamento, trabalho pensando no lançamento e durmo pensando no lançamento. Tenho a sensação de que está tudo atrasado, estou em dívida com todos e não tenho como pagar. Me surgiram pequenas bolhas de desidrose nos dedos da mão. Qualquer vento gera uma sequência de espirros e até mesmo quem convive comigo diariamente e já está habituado às minhas idiossincrasias comentou que ando muito esquisito.

Não foi assim com os lançamentos anteriores; dizem que cada filho é diferente, não dizem? A gente quer que eles vão para o mundo, mas a gente não quer que eles vão para o mundo.

O livro fúcsia, construído em cima de triângulos, me surpreendeu com este ciclo, que comecei a chamar de TPL – tensão pré-lançamento –, já que a gente é homem que escreve e precisa de termos para dar conta do que a gente não dá conta.

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No mesmo dia e momento teremos os lançamentos dos livros:

De ombros caídos olhando para o inferno, de Constança Guimarães.

A mulher que se foi, de Michele Flores.

À Procura, de Milene Moraes.

Diogo da Costa Rufatto nasceu em Passo Fundo, Rio Grande do Sul, no ano da queda do muro de Berlim. Sentindo-se um gaúcho não gaúcho, mudou-se para Belo Horizonte, Minas Gerais, e foi chamado de escritor mineiro não mineiro. Nesse espaço identitário, também cabem as profissões de revisor, tradutor e intérprete de língua inglesa e francesa. Publicou o livro de poesia Do pó (2016) e sua sátira Do pau (2017) pela Impressões de Minas. Vai publicar no sábado próximo O livro fúcsia - da linguagem tripartida, dia 11/11, na Casa Fiat (Praça da Liberdade, 10, Belo Horizonte/MG), à partir das 15h.

[Foto: Bianca de Sá/Papelícula]