Zodíaco

31 de março de 2016

[Por Laetitia Jourdan*]

De uns tempos pra cá, parece que em qualquer novo grupo de amigos, conhecidos ou convivências em que me insiro, tem um determinado momento em que vai surgir aquela perguntinha básica (quer dizer, que virou básica nos últimos meses): de que signo você é? Na verdade lembro que o horóscopo sempre me rondou e eu sempre gostei, mas de maneira casual e desinteressada. Na terceira série eu tinha um desses cadernos para várias disciplinas (que só seria necessário uns cinco anos depois), em que as divisórias eram páginas impressas com o perfil de cada signo. Meus coleguinhas vinham me perguntar e eu era a consultora astrológica da sala, sobretudo no que dizia respeito à compatibilidade entre signos.

No entanto, o caderno acabado, eu deixei de saber qualquer coisa sobre o zodíaco. Na verdade sempre me senti ligeiramente constrangida quando me perguntam o meu signo. É como se invadissem um pouco minha privacidade, como se isso fosse revelar mais sobre mim do que eu gostaria. Ou talvez esse incômodo seja porque a partir do momento que eu respondo, pouco importa o que eu faça ou diga, antes de tudo eu sou de Escorpião e pronto. Esse meu pé atrás com a astrologia tem seu fundamento, afinal, Escorpião é o pior dos signos do zodíaco (e mesmo que um astrólogo venha me dizer que não, são décadas escutando e lendo que somos egoístas, possessivos, ciumentos e vingativos, e só não morremos sozinhos porque somos bons de cama. É trauma pra toda vida). Resumo: acho que aquela imagem doce e meiga que as pessoas parecem ter de mim num primeiro momento se esvai assim que eu falo que sou regida por Plutão (aliás, ainda sou agora que Plutão não é mais planeta?) e que na verdade as pessoas devem ficar atentas, porque minha simpatia e prestatividade podem a qualquer momento se tornar competição e amargura caso você não vire um verdadeiro amigo (sim, porque os escorpianos são leais e não medem esforços quando se trata de pessoas que amam).

Pra ter uma ideia, se você pesquisar em sites a compatibilidade de seu signo com uma pessoa de escorpião achará frases como: “a tendência é fazer o taurino correr para bem longe”, ou “a sofreguidão e a paixão com que geralmente o escorpiano encara seus relacionamentos pode suprimir o clima de leveza e liberdade que o geminiano geralmente prefere ter”, ou ainda, “mais que um relacionamento, a união de um leonino com um escorpiano pode resultar em um braço de ferro altamente cruel e venenoso”. Apesar de tudo isso, alguns signos (como Virgem, Peixes e Aquário) parecem ter a capacidade de lidar com essa escória astrológica e por isso eu sou feliz em dizer que achei um capricorniano que me suporta.

Uma vez conheci um casal de indianos que me disse que a questão dos signos na Índia é algo muito sério, que existem pessoas que estudam astrologia como se faz faculdade e que a coisa é muito mais complexa do que se imagina. Existe o signo, o ascendente, o dia que você nasceu, dentro do período regido por aquele signo e mil outras coisas que vão influenciar na nossa personalidade. Isso me deu certo alívio, afinal, eu imaginava se todas as pessoas que fazem aniversário no mesmo mês são necessariamente parecidas. Resolvi pesquisar. Comecei a jogar no google nome de personalidades conhecidas, ver a data de nascimento e tentar fazer uma relação entre elas a partir do signo. Depois lia o perfil de cada um em vários sites de astrologia.

Descobri que Che Guevara e Chico Buarque são regidos por Gêmeos, o que me faria crer que as pessoas que nascem entre final de maio e junho são bem interessantes, com um quê de poetas intelectuais de esquerda e um idealismo que cativa. Até aí, tudo bem. Os astros não dizem o contrário. Descobri também que por um dia Hitler se safou de Touro e nasceu em Áries, ao lado de Getúlio Vargas. Teria esse signo uma queda pelo poder? Ou pela loucura? Eis que leio: “podem ser bastante mandões e autoritários quando querem ou precisam, e chegam a forçar seu caminho e escolhas aos outros que o cercam”. Sem comentários.

Louco mesmo é ver que também por um dia a Rainha Elizabeth não acompanhou Hitler e Getúlio e acabou ao lado de Freud e Catarina II, nascidos sob o signo de Touro. Elizabeth e Catarina definitivamente compartilham a nobreza, mas como explicar Freud ali no meio? Com Catarina eu ainda acho que eles têm um caráter inovador, uma falta de medo do desconhecido e da mudança, mas isso tiraria Elizabeth da jogada. Mas nessa eu errei feio (ou foram Freud e Catarina quem erraram?) : “Conforto, para eles, significa também a segurança de um emprego estável, um relacionamento fixo e uma casa com todas as prestações quitadas”. Ao final, Elizabeth se mostra um perfeito exemplar de taurino. Vale depois pesquisar os ascendentes do resto do povo.

Tal erro, no entanto, se torna impossível quando se trata de Leão, que reúne personalidades como Madonna, Fidel Castro, Caetano e Napoleão Bonaparte. Acho que a música Material Girl deve ter sido escrita para Fidel, que definitivamente deve ser fã de Caetano, que por sua vez, com certeza já deve ter escrito alguma música citando Napoleão. Enfim, Leão domina o mundo e eu nem vou ler o zodíaco pra confirmar.

Um pouco mais ousado é analisar Câncer, com Dalai Lama e Machado de Assis lado a lado... Eu diria que são pessoas com alto poder de crítica, de percepção e compreensão da realidade. Ao mesmo tempo, tenho dificuldade de ver o cinismo de Machado ao lado da figura sóbria e delicada de Dalai Lama (mas isso pode ser ainda a influência de Gêmeos, já que Machado nasceu no primeiro dia de Câncer). Lê-se coisas do tipo: “sentimentais, pacíficos e acolhedores” (Dalai), muito criativos (Machado), recatados e ligados à família (minha intimidade com Machado e com Dalai não me permite dizer se procede). Melhor procurar outras pessoas desse signo para averiguação.

Eu estou ao lado de Lula e Drummond. Difícil achar um ponto em comum antes de ler o zodíaco. Qualquer coisa seria falta de modéstia da minha parte. Então vamos direto aos fatos: somos seres apaixonados, amamos uma causa de corpo e alma, somos fiéis e leais, desde que não pise no nosso calo e o sexo é questão importante em nossas vidas (nem Drummond passa impune, haja visto Hildebrando insaciável comedor de galinha). Além, claro, de sermos possessivos, ciumentos e vingativos.

Ainda estou com muita dificuldade de entender como explicar o fato de que Clarice Linspector, Stalin, Silvio Santos e Dilma Rousseff se encontram todos sob o signo de Sagitário. Libra e Peixes também me interpelam, com Gandhi, Margareth Tatcher, Eduardo Cunha e John Lennon no primeiro e Carmen Miranda e Aécio como exemplares de piscianos. Isso vai me exigir uma pesquisa mais aprofundada. Por enquanto, duas coisas são certas: as pessoas de Aquário e Virgem não costumam se destacar no mundo e Capricornianos só meu namorado, Jesus e a Laura, por enquanto.

* Laetitia V. Jourdan é antropóloga, bacharel em ciências sociais pela UFMG e mestre em antropologia aplicada ao desenvolvimento sustentável na Universidade de Provence. Franco-brasileira, na procura de tentar se encontrar no mundo e se conhecer melhor, descobriu seu desejo pela escrita. Hoje, faz experimentos no atelier Estratégias Narrativas em busca de um estilo, de uma história, de uma maior compreensão de si e dos outros.